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terça-feira, 4 de dezembro de 2007

forgettin' name & faces

Você brilha como o cordão de pérolas da vovó. É um brilho tão bonito, uma cor assim tão pura... que eu tenho medo de sujar. Seus olhos brilham mais que os meus jamais conseguirão e às vezes eu tapo meu rosto, tentando esconder o quão vermelha eu posso ficar quando você me olha como um irmão olharia. Mas minhas mãos tremem e então você nota que eu não estou bem. Você sempre nota. Só você, sempre você.
E então você cai. E hoje suas asas parecem mais sujas que o normal, e você me devolve a sua metade quebrada. Mas hoje eu não quero consertá-la, então lhe entrego a cola e a devolvo, agora ainda mais rachada. E então você me olha como se eu tivesse o machucado mais do que pensei, mas eu pensei demais nisso. É, eu premeditei. Você salva minha face da vergonha e eu bato na tua pois é assim que as coisas são.
Eu te amo tanto que até me assusta. Mas é limpo, isso é limpo mesmo no meio de tanta sujeira, de tanta intriga. Amigo, se você pudesse ouvir o quê eu canto pra mim mesma de madrugada então você entenderia. E me abraçaria. E eu juro que não há perigo em me manter dentro dos teus braços, juro que não vou te machucar. Até mesmo porque não posso te trair, só você está aqui. Só você, sempre você.
Olho pra frente e você queima mais do que eu posso suportar. Eu te assisto quebrando mais rápido que meus olhos míopes podem acompanhar. Mas eu agüento, eu preciso ser teu sustento pois você é o meu. Eles só conseguem o quê você dá e você dá demais. Não dê aquela sua metade inteira, pois eles ainda sabem como o quebrar. E então você volta, você não me deixaria sozinha. Você está derretendo e sentindo frio, mas você não me deixaria sozinha. E então você me toca e tudo parece mais fácil. Eu só tenho dezesseis e isso parece mentira, mas eu não estou perdida. Eu seguro forte sua metade inteira e a guardo dentro do bolso do meu casaco rosa choque, mas eu nunca pensei que ele poderia estar furado. E nós dois trememos, há algo de errado hoje. Eu não estou perdida e você não está sorrindo. Você ainda não me cumprimentou como deveria e hoje seus olhos não brilham como brilharam ontem. E durante toda a semana e esse mês. Você cresceu, você é um adulto agora, mas eu não posso deixá-lo ir embora.
Nós trememos mas eu continuo segurando forte sua metade inteira, agora em minhas mãos. Você me olha e estende a metade quebrada, quase implorando para que eu a consertasse. E eu estendo minhas mãos tão pequenas... E sua metade inteira cai. E quebra. E faz um som insuportável e eu quase desejo ter nascido surda, mas eu sei que logo em seguida me arrependeria por nunca ter te ouvido cantar nesse seu tom tão semitonado. E ela cai e se quebra em cinco mil pedacinhos tão pequeninos que nem mesmo Deus poderia juntá-los, pensamos. E você não me vê, você continua olhando através de mim, os olhos opacos e vazios; você queimando e derretendo. E eu agora segurando sua metade quebrada e tentando colar a outra. Estou de joelhos e você diz para eu desistir, me tranquilizar e aceitar o quê nem Deus pode consertar. Sua voz está mais afinada hoje, mais grave. Sua voz está mais triste hoje, e hoje parece aquele dia em que eu achei que fosse morrer. Morrer junto contigo e sem me arrepender de largar o cordão de pérolas da vovó.
Estou de joelhos e você ali derretendo de frio e ninguém vê. Ninguém nunca vê. Eles não conseguem ouvir seu timbre mudando ou perceber seus olhos congelando. Só eu reconheço seus dramas. Eles não percebem quando eu choro em silêncio ou quando meu estômago parece esmagar meu coração endurecido. Só você, sempre você.
E hoje você parece sem cor, hoje a vida está em branco e preto. E você parece mais distante de mim do que o branco jamais esteve do preto. Eu busco suas mãos e você parece ter medo de me infectar de hipocrisia. Mas eu morreria por você, amigo. Para te manter vivo e limpo, te manter brilhando e inocente. E eu morreria apenas para te ver sorrindo com aquele brilho nos olhos que doença nenhuma jamais tiraria. Mas só por você. Só você, sempre você.
Hoje eu lhe escrevi tudo isto nesse papel de pão com essa caligrafia confusa pela urgência apenas para te dizer que eu o consertei, e agora, por favor, volte a sorrir novamente. Eu guardei sua metade quebrada e rachada comigo, ela está quente e me mantendo viva. E eu gastei toda esta minha vida de joelhos catando seus pedaços. Eu consertei o quê nem Deus poderia, só por você. Só você, sempre você.