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domingo, 28 de junho de 2009

fragmentos

E logo de cara via-se o aviso:
"Se encontrar minhas portas, quebre-as por favor."

terça-feira, 9 de junho de 2009

catch the wheel that breaks the butterfly

O lugar era frio, sempre; não importa se o relógio-termômetro marcava dezessete ou trinta e cinco graus, era sempre frio. Aquele frio mais gelado, do tipo que atravessa sua pele até alcançar o que ela esconde, macia e carinhosa, protetora. E hoje fazia frio, a pele gelava e ressecava como a árvore da idade ou coisa que o valha. A idade pesava, as idéias esvaiam-se e tudo caía naquilo que se era conhecido. Talvez fosse o cheiro do fumo com melado comprado em vão, guardado na mesinha de cabeceiras, que conferia ao quadrado de concreto um certo ar de plantação de maçãs, um pouquinho do campo na cidade nesse verão inventado.
O lugar era frio, vazio; branco. Quase que um caixão de três por seis. O cheiro era doce, era mesmo, quase como o freezer da sorveteria da Nossa Senhora. O quarto cheirava a morangos e champagne e cigarros de creme e pecados e maçãs importadas direto do Iraque em forma de fumo e sexo e vergonhas... E nada era dito, mesmo com o tanto que era pensado. Nada era vivido, sempre seguindo o que fora ensaiado por nossos pais há anos atrás. Mas o que é meu, é seu, menos a cruz que cada um carrega, meu irmão. Menos os erros que cometemos ou os pecados que temos que pagar. Mas o morango do meu champagne, isso você bebe. Mas a lepra da minha carne você não degusta não. E assim seguimos, entrando e saindo, daquele lugar vazio cheirando a menininhas recém-chegadas à maioridade.
O lugar era frio, vazio, branco e cheirava à lembranças escondidas num caixão de três por seis. A dor era tanta que se podia até abraçá-la, tentando aquietar a criança faminta de todos nós. Era a transição, a primeira menstruação, a primeira dor, o rompimento, a vergonha e o arrependimento. Era o quarto de amadurecimento, o destino final à matéria passada da validade. Mas a esperança era tanta que só se podia fugir, fugir dela, de você, de mim, até a criança faminta rugir de novo e voltarmos à tudo que era conhecido.
E não se tinha mais certeza, as dúvidas estavam fora de circulação e o que era verde virou azul, o que era vivo virou azul, o que era meu se perdeu e o que era seu se juntou aos nós, desatando cada entranha.
E a virgem cheirava à sexo; a intocada, manchada pela sujeira de mãos desconhecidas e desesperadas. Como um mapa marcando a rota até o lugar onde a razão descansa em paz e desinibida, é fácil. Seguir os pontilhados e chegar ao tesouro, trazer pra conta bancária e gastar com as meninas da esquina, é fácil. Suspirar com o Sol pesando em A mais B, também é. É como fugir, é instintivo. Assim como se perder na conversa. Já não sei mais por onde comecei ou aonde quero chegar. É só a mesma urgência de sempre de pôr tudo pra fora, de produzir algo que me traga o mínimo de orgulho próprio, de auto-estima. Mas de estimar eu entendo, ah entendo sim. Sempre o número arredondado, a informação mais próxima; nada nunca é certo, nada confirmado, nada é fincado nesse solo de concreto da terra das maçãs. Só o cheiro no vazio da falta daquilo que eu nunca tive. Só o quarto frio, vazio e branco.
Só eu.
Fria, vazia, apagada.
Só eu.
Cheirando à lembranças daquilo que inventei. Inebriada pelos morangos, pelo champagne, pelo cigarro de creme, pelos meus pecados, meus erros, meus antepassados, pelo sexo, pela dor, pela vergonha, pelas dúvidas... por viver.
Só eu.
Na terra das maçãs.