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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

dance me to the end of love

De todas as minhas resoluções de segunda-feira, a única que quero realizar é me abrir... mas apenas o suficiente para deixá-lo tentar entrar. 


Não tem jeito, para baixar minha guarda, só na base da porrada.

the couch


Percorri o mesmo corredor de semanas atrás. O ar condicionado congelando minha pele deixada à mostra, chamando minha atenção para os pêlos arrepiados nos meus braços daquelas cicatrizes em linha. Percorri o mesmo caminho de semanas atrás. Os mesmos rostos tristes do elevador, o mesmo silêncio cortante das portas trancadas. Pacientes pacientemente tornando-se meros números nos prontuários; doenças e tragédias e ferimentos auto-infligidos, escondidos sob a pele corada da vida carioca.
Percorri os mesmos sentimentos de semanas atrás. O medo despertando o quê quer que existisse dentro da minha barriga. O excesso de comida, a falta de controle, o excesso de nojo, a falta de amor próprio. Só estou tentando ser a melhor garota que posso.
Porque é quando achamos que tudo melhorou, que somos tomados por surpresa. É quando comemoramos aliviados e relaxamos que a corda aperta e perdemos o ar.
As mesmas paredes geladas da cama que não é sua, dessa vida que não é nossa. A mesma vista pra favela, onde você só assiste inquieto, sentado no seu novo trono de dor, um animal por um, subindo e descendo o morro da vida... vivendo enquanto você continua preso nesse matadouro cinco estrelas.
Percorri as mesmas certezas de semanas atrás. O sorriso novo em folha, os olhos inchados escondidos pela maquiagem, os quilos ganhos. O excesso de talento para a falta de palco. Só estou tentando ser a melhor filha que posso.
Porque é quando tenho certeza que ganhei, que explodem o pódio. É quando aprendo a chutar, que engolem o alvo. É quando eu acho que você melhorou, que você me machuca.
As mesmas facadas que eu tinha aprendido a esquecer, a mesma dor para prender o choro que eu já nem conhecia mais. As mesmas lágrimas que afogam o sorriso que tão recentemente aprendi a imitar das revistas que você colecionava para mim ou das novelas que nunca consegui assistir.
Percorri as mesmas dúvidas de anos atrás. Quando a única certeza que não podia derrubar era de nunca ser boa o bastante. O excesso de gordura, a escassez de beleza, a falta de jeito pra viver, a tendência a querer sofrer... a bipolaridade que herdei de você.
Percorri as mesmas alegrias de anos atrás. Quando abrir caminho para aquilo que posso controlar é trancar o quê você enfia em mim. Quando eu achava ser dona de mim, dona da minha dor, dona de todo o espetáculo.
E você não consegue mais sorrir.
Ela continua a cansar-se, duvido que ela sequer consiga mentir agora.
Ninguém mais consegue te divertir.
E eu continuo a cansar-me, duvido que eu sequer consiga burlar a fome agora.
Então eu como. Repouso os olhos na comida para não ter que pousá-los em você.
Tento trocar os cigarros pelas calorias, para engordar e tentar alegrar você.
Abro mão de perder mais uns quilos para ganhar algum sorriso seu.
Tento trocar o controle por mais umas mordidas para tentar confortar você.
Para engordar e tentar esconder.
Que de tudo, o que menos posso aguentar, é me ver pesar.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

without words

de tanto querer, aprendi a não sentir
mas pior que sofrer, é apenas existir
de tanto pedir, aprendi a só esquecer
e pior que lembrar é não querer viver


sem palavra alguma, como um bolo na garganta
aprendi a engolir, aprendi a crescer, mentir
sem dar nenhum passo, feito um diabo, santa
firo o que protegia, feito mae, feito cria


e foi de tanto precisar que aprendi a cortar
cortar o cordão umbilical, aprendi a perdoar
como qualquer santo de pau oco saberia de cor
é melhor quebrar a imagem a moer um animal só


sem palavra alguma, tal qual um câncer, sujo
aprendi a andar sem ti, sem rédeas, no imundo
sem dar nenhum passo, feito bandido perdoado
começo por mim, sem ti, sem medo, consertado.

domingo, 15 de novembro de 2009

"A amizade é semelhante a um bom café; uma vez frio, não se aquece sem perder bastante do primeiro sabor."


- Imannuel Kant

domingo, 1 de novembro de 2009

le donne hanno perduto la guerra

Não escrevo há muito tempo. Já não marco mais outros encontros furtivos, na calada da noite, com o papel e a caneta para mais uma sessão coruja de terapia de choque. Apenas os deveres matinais, onde nem mais reconheço minha cursiva, registrando velozmente o quê deveria calcar minha base forte o suficiente para me transformar em uma boa profissional um dia
Mas não, há uma multidão por aqui. Há muito gente querendo sair, implorando para sair e eles precisam de ar, é preciso abrir algum caminho. Mas não, apenas bloqueio com meus canhões e uns poucos pobres soldados, coitados. Meu cotidiano maquinal tanto fez que alcançou seus objetivos – já não mais sinto, apenas máquina sou.

E dessa multidão amorfa, essa massa de indigentes, sempre me visita Carolina. Ela coça, arranha, cutuca, rasga minhas paredes até que eu abra alguma brecha. Abro caminho para minha bala hipodérmica predileta.
De todos eles, só a Carolina eu não consigo abafar. Logo ela?, eles diriam; pois logo ela.

Carolina passou a madrugada fazendo origami, sentada ao meu lado. Não conversávamos; de descartável já nos bastava a vida. Palavras não são tais como papéis; palavras não são recicláveis. Uma vez postas fora, não há jeito; nada lhes muda a forma, permanecem pontiagudas até o fim.
Então permanecemos caladas. Ela com os olhos nos papéis e eu sem os meus.
Sentada no chão com as pernas abertas, sua coluna está mais arqueada que o normal. A menina, coitada, carrega meu fardo. É o preço de se ter uma voz num quarto tão silencioso.
Mas Carolina não se acanha. E dentre tulipas e baleias, constrói-me uma casa. E a pinta. E me entrega. Uma casa onde ficar, sem precisa se alimentar. Uma casa assim, estreita, pequena, onde uma pessoa assim tão grossa e repugnante como eu não entraria...
E Carolina não come, apenas sorri. Alcança o copo d’água e se alimenta de minhas fábulas. Carolina é minha ídola.
E as horas passam e seu corpo dói, mas ela não pára para pensar; ela não abre a boca. Respira fundo e vai, forte. Minha heroína.

Mas então chega a hora de pôr o lixo fora, e as palavras de alguém alcançam o quarto. E são pontiagudas, gordurosas, com cheiro de salgadinho. E as horas passam, cadê a força? Carolina tropeça nas palavras e corre para a cozinha, seguindo o mapa antigo para o tesouro valioso. E cai. De novo.
E eu permaneço aqui, sem olhos. Não seguirei Carolina, não, não dá. Ainda preciso entrar na casa.