Recent Posts

domingo, 1 de novembro de 2009

le donne hanno perduto la guerra

Não escrevo há muito tempo. Já não marco mais outros encontros furtivos, na calada da noite, com o papel e a caneta para mais uma sessão coruja de terapia de choque. Apenas os deveres matinais, onde nem mais reconheço minha cursiva, registrando velozmente o quê deveria calcar minha base forte o suficiente para me transformar em uma boa profissional um dia
Mas não, há uma multidão por aqui. Há muito gente querendo sair, implorando para sair e eles precisam de ar, é preciso abrir algum caminho. Mas não, apenas bloqueio com meus canhões e uns poucos pobres soldados, coitados. Meu cotidiano maquinal tanto fez que alcançou seus objetivos – já não mais sinto, apenas máquina sou.

E dessa multidão amorfa, essa massa de indigentes, sempre me visita Carolina. Ela coça, arranha, cutuca, rasga minhas paredes até que eu abra alguma brecha. Abro caminho para minha bala hipodérmica predileta.
De todos eles, só a Carolina eu não consigo abafar. Logo ela?, eles diriam; pois logo ela.

Carolina passou a madrugada fazendo origami, sentada ao meu lado. Não conversávamos; de descartável já nos bastava a vida. Palavras não são tais como papéis; palavras não são recicláveis. Uma vez postas fora, não há jeito; nada lhes muda a forma, permanecem pontiagudas até o fim.
Então permanecemos caladas. Ela com os olhos nos papéis e eu sem os meus.
Sentada no chão com as pernas abertas, sua coluna está mais arqueada que o normal. A menina, coitada, carrega meu fardo. É o preço de se ter uma voz num quarto tão silencioso.
Mas Carolina não se acanha. E dentre tulipas e baleias, constrói-me uma casa. E a pinta. E me entrega. Uma casa onde ficar, sem precisa se alimentar. Uma casa assim, estreita, pequena, onde uma pessoa assim tão grossa e repugnante como eu não entraria...
E Carolina não come, apenas sorri. Alcança o copo d’água e se alimenta de minhas fábulas. Carolina é minha ídola.
E as horas passam e seu corpo dói, mas ela não pára para pensar; ela não abre a boca. Respira fundo e vai, forte. Minha heroína.

Mas então chega a hora de pôr o lixo fora, e as palavras de alguém alcançam o quarto. E são pontiagudas, gordurosas, com cheiro de salgadinho. E as horas passam, cadê a força? Carolina tropeça nas palavras e corre para a cozinha, seguindo o mapa antigo para o tesouro valioso. E cai. De novo.
E eu permaneço aqui, sem olhos. Não seguirei Carolina, não, não dá. Ainda preciso entrar na casa.